Os Contos de Beedle, o Bardo

 

Os Contos de Beedle, o Bardo.



Babbitty, a Coelha, e seu Toco Gargalhante



Há muito tempo, em uma terra distante, um rei decide guardar toda a magia do mundo para si. A fim de obter toda a magia, ele precisa reunir todas as bruxas e bruxos do mundo, então ele forma a Brigada de Caçadores de Bruxos, armados com matilhas de cães selvagens. Mas primeiro, ele precisa aprender a usar magia, então ele chama alguém com habilidades mágicas para ensiná-lo. Nenhum bruxo ou bruxa real responde, mas um No-Maj finge ser um bruxo e se oferece para ensiná-lo, apesar de não conhecer magia alguma.

 

Logo, o professor No-Maj exige dinheiro e tesouros por seus serviços, e esconde todos esses objetos em sua pequena casa. Babbitty, a lavadeira do rei, se esconde e observa o No-Maj enquanto ele puxa dois galhos de uma árvore e depois finge que são varinhas.

 

Enquanto o rei e o No-Maj estão praticando, eles ouvem Babbitty rindo histericamente de seu chalé. Isso enfurece o rei, que exige que o No-Maj o ajude a se apresentar diante de seus súditos para mostrar suas novas habilidades. O No-Maj tenta voltar atrás dizendo que ele tem que sair da cidade, e não pode ajudá-lo, mas o rei ameaça mandar a Brigada de Caçadores de Bruxas atrás dele, e se alguém ri enquanto o Rei está se apresentando, o No-Maj será decapitado. O No-Maj vai até a casa de Babbitty, onde ele a espiona e descobre que ela é uma bruxa de verdade. Ele pede a ela para ajudá-lo, ou ele vai expô-la.

 

Divertida, Babbitty concorda em ajudar o pobre No-Maj. Ele diz a Babbitty que ela se esconderá no mato amanhã e fará parecer que o próprio rei pode fazer mágica. Enquanto eles se apresentam, a multidão se surpreende com o desaparecimento de um chapéu e um cavalo levitando; então, um dos membros da brigada pergunta se o rei pode fazer seu cão morto voltar à vida. O rei tenta, mas Babbitty não faz nada, porque ela sabe que nenhuma magia pode ressuscitar os mortos. A multidão ri do rei, e o rei quer saber porque o feitiço não está funcionando. O No-Maj aponta para o mato e diz que uma bruxa malvada os está bloqueando. Babbitty corre do mato, e quando os cães perseguem-na, ela "desaparece", deixando os cães latindo para uma árvore.

 


O No-Maj diz à multidão que Babbitty se transformou na árvore e que a árvore deve ser cortada, porque ela é uma bruxa "má". A multidão é selvagem e a árvore é derrubada. Quando a multidão começa a sair, eles ouvem uma gargalhada vindo do toco. Babbitty diz à multidão que bruxo e bruxas de verdade não podem ser cortados ao meio, e que devem cortar o No-Maj ao meio para provar isso. O No-Maj confessa que ele é uma fraude, e Babbitty diz a eles que o rei está amaldiçoado, e ele vai sentir um golpe de machado toda vez que uma bruxa ou bruxo for ferido.

 


Assim, o rei faz uma proclamação declarando que as bruxas e bruxos estão protegidos e que não devem ser prejudicados. Babbitty exige que uma estátua seja construída por si mesma, para lembrar a todos o que foi decretado. O rei promete que isso será feito e erigirá uma estátua dela feita de ouro. Logo depois, um velho coelho aparece de um buraco no coto com uma varinha em sua boca, revelando que Babbity estava se escondendo em sua forma animaga, e ela deixa o reino. Para sempre, a estátua de Babbitty permanece em cima do cepo, e nenhuma bruxa ou bruxo jamais se machucará naquele reino novamente.

 

O Coração Peludo do Mago


O personagem principal da trama é um jovem mago rico, bonito e talentoso, que observou que seus amigos agiam como tolos quando se apaixonavam, se enfeitando, andando aos saltos e corridinhas, perdendo o apetite e a dignidade. O jovem mago resolveu jamais se deixar dominar por tal fraqueza, e recorreu ás artes das trevas para garantir a sua imunidade.

Sem saber do seu segredo, a família do mago achava graça de vê-lo tão distante e frio.

"Tudo mudará", vaticinavam eles, "quando uma donzela atrair seu interesse!"

O jovem mago, porém, permanecia impassível. Embora muitas donzelas se sentissem intrigadas por seu ar altivo e recorressem as artes mais sutis para agrada-lo, nenhuma conseguia tocar seu coração. Ele se vangloriava de sua indiferença e da sagacidade que a produzira.

O frescor da juventude foi dissipando-se e os jovens de mesma idade e posição que o mago começaram a casar e ter filhos.

"O coração deles deve ser apenas uma casca", desdenhava ele mentalmente, observando o ridículo comportamento dos jovens pais ou seu redor, "ressecada pelas exigências desses pirralhos chorões!".

E mais uma vez ele se felicitou pela sabedoria da opção que fizera no primeiro momento. No devido tempo, os pais do mago, já idosos, faleceram. O filho não lamentou a morte deles; ao contrario, considerou-se abençoado por terem desaparecido. Agora ele reinava sozinho em seu castelo. Depois de transferir o seu maior tesouro para a masmorra mais profunda, ele se entregou a uma vida desregrada e farta, na qual seu conforto era o único objetivo dos inúmeros criados.

O mago estava convencido de que devia ser alvo de imensa inveja de todos que contemplavam sai solidão esplêndida e despreocupada. Feroz, portanto, foi sua raiva e desgosto, quando um dia ouviu dois lacaios discutindo a sua pessoa: O primeiro criado manifestou pena do mago que, com tanto poder e riqueza, continuava sem alguém que o amasse. Seu colega, entretanto, desdenhou, perguntando porque um homem com tanto ouro e dono de tão esplêndido castelo não fora capaz de atrair uma esposa. Tal conversa desferiu um terrível golpe no orgulho do mago que os ouvia.

Ele decidiu imediatamente escolher uma esposa, e uma que fosse superior a todas as existentes. Possuiria uma beleza assombrosa e provocaria inveja e desejo em um a linhagem mágica que seus filhos herdasse excepcionais dons de magia; e seria dona de uma fortuna no mínimo igual a dele, para garantir a existência, apesar do acréscimo de pessoas e despesas.

Encontrar tal mulher talvez levasse cinquenta anos, mas aconteceu que, no dia seguinte á sua decisão, chegou a vizinhança, em visita a parentes, uma donzela que correspondia a todos os seus desejos.

Era uma bruxa de prodigioso talento e dona de grande riqueza. Sua beleza era tanta que mexia com o coração do todos os homens que a contemplavam, isto é, todos, exceto um. O coração do mago não sentiu absolutamente nada. Contudo, a moça era o premio que ele buscava, e, assim sendo, começou a corteja-la.

Todos que notaram a mudança no comportamento do mago ficaram surpresos e disseram a donzela que ela tivera êxito, onde uma centena de outras havia fracassado.

A jovem por sua vez, sentiu ao mesmo tempo fascínio e repulsa pelas atenções do mago. Ela pressentiu a frieza que havia sob o calor de suas lisonjas, pois jamais conhecera um homem tão estranho e distante. Seus parentes , contudo, consideraram essa união extremamente desejável e,  muito interessados em promove-la, aceitaram o convite do mago para um grande banquete em homenagem à donzela.



A mesa, carregada com peças de ouro e prata, continham os mais finos vinhos e as comidas mais suntuosas. Menestréis dedilhavam alaúdes de cordas sedosas e cantavam um  amor que seu senhor jamais sentira. A donzela sentou-se um trono ao lado do mago, que lhe falava suavemente, empregando palavras de carinhos que roubara dos poetas, sem a mínima ideia do seu real significado. A donzela ouvia, intrigada, e por fim respondeu:

- Você fala bonito, mago, eu ficaria encantada com suas atenções, se ao menos acreditasse que você tem coração!

O mago sorriu e lhe respondeu que, quanto a isso, ela não precisava temer. Pediu-lhe que acompanhasse e, conduzindo-a para fora do salão, desceu à masmorra trancada à chave onde guardava o seu maior tesouro. Ali, em uma caixa de cristal encantada, encontrava-se o coração pulsante do mago. Há muito tempo desligado dos olhos, ouvidos e dedos, o coração jamais se deixara cativar pela beleza, ou por uma voz musical, ou pelo tato de uma pele sedosa. A donzela ficou aterrorizada ao vê-lo, pois o coração encolhera e se cobrira de longos pelos negros.

-Ah, o que você fez! – lamentou ela. –Reponha o coração no lugar a que permanece, eu lhe imploro!

Ao perceber que isto era necessário para agradá-la, o mago apanhou a varinha, destrancou a caixa de cristal, abriu o próprio peito e repôs o coração peludo na cavidade vazia que outrora ocupara.

-Agora você está curado e conhecera o verdadeiro amor!  - exclamou a donzela e abraçou-o.

O toque dos macios braços alvos da donzela, o som de sua respiração no ouvido dele, o aroma dos seus cabelos dourados; tudo isso penetrou como uma lança o seu coração recém despertado.

Mas o órgão se corrompera durante o longo exílio, cego e selvagem na escuridão a que fora condenado, seus apetites tinham se tornado vorazes e perversos. Os convidados ao banquete notaram a ausência da anfitrião e da donzela. A principio despreocupados, começaram, porem, a se sentir ansiosos a medida que as horas passavam e, por fim, decidiram revistar o castelo.

Acabaram encontrando a masmorra, onde uma cena aterrorizante os aguardava.

A donzela jazia morta no chão, peito aberto, e ao seu lado ajoelhava-se o mago enlouquecido, segurando em uma das mãos ensanguentadas um grande e reluzente coração, que ele e lambia e acariciava, jurando troca-lo pelo seu.

Na outra mão, ele empunhava a varinha, tentando induzir o coração murcho e peludo a sair do próprio peito. O coração, porem, era mais forte do que ele e se recusou a renunciar ao controle dos seus sentidos ou a retornar à urna em que estivera por tanto tempo.

Diante do olhar aterrorizado dos convidados, o mago atirou para um lado a varinha e agarrou uma adaga de prata. Jurando jamais ser dominado pelo próprio coração, arrancou-o do peito. Por um momento, o mago permaneceu de joelhos, triunfante, segurando um coração em cada mão; em seguida caiu atravessando sobre o corpo da donzela e morreu.

 

A Fonte da Sorte


No alto de um morro, em um jardim encantado envolto por muros altos e protegido por poderosa magia, jorrava a Fonte da Sorte.

Uma vez por ano, entre o nascer e o pôr-do-sol do dia mais longo do ano, um único infeliz recebia a oportunidade de competir para chegar à fonte, banhar-se em suas águas e ter sorte a vida inteira.

No dia aprazado, centenas de pessoas viajavam de todo o reino para chegar ao jardim antes do alvorecer. Homens e mulheres, ricos e pobres, jovens e velhos, dotados ou não de poderes mágicos reuniam-se no escuro, cada qual na esperança de ser o escolhido para entrar no jardim.

Três bruxas, com seus problemas e preocupações, encontraram-se nas cercanias da multidão, e contaram umas às outras suas tristezas enquanto esperavam o sol nascer.

A primeira, cujo nome era Asha, sofria de uma doença que nenhum curandeiro conseguia eliminar. Ela esperava que a fonte fizesse desaparecer os seus sintomas e lhe concedesse uma vida longa e feliz.

A segunda, cujo nome era Altheda, tivera sua casa, seu ouro e sua varinha roubados por um bruxo malvado. Ela esperava que a fonte a aliviasse de sua fraqueza e pobreza.

A terceira, cujo nome era Amata, fora abandonada por um homem a quem amava profundamente, e acreditava que seu coração partido jamais se recuperaria. Esperava que a fonte aliviasse sua dor e saudade.

Apiedando-se umas das outras, as três mulheres concordaram que, se lhes coubesse a chance, elas se uniriam e tentariam chegar à fonte juntas.

O primeiro raio de sol rasgou o céu, e uma fresta se abriu no muro. A multidão avançou, cada pessoa exigindo, aos gritos, a bênção da fonte. Plantas rastejantes do interior do jardim serpearam pela massa ansiosa e se enrolaram na primeira bruxa, Asha. Ela agarrou o pulso da segunda bruxa, Altheda, que segurou com força as vestes da terceira bruxa, Amata.

E Amata se enredou na armadura de um cavaleiro de triste figura que montava um cavalo esquelético.

As plantas rastejantes puxaram as três bruxas pela fresta do muro, e o cavaleiro foi derrubado do seu ginete atrás delas.

Os gritos furiosos da multidão desapontada se ergueram no ar matinal, e silenciaram quando os muros do jardim se fecharam mais uma vez.

Asha e Altheda se zangaram com Amata, que, acidentalmente, trouxera junto o cavaleiro.

— Apenas um pode se banhar na fonte! Já será bem difícil decidir qual de nós será, sem adicionar mais um!

Ora, o Cavaleiro Azarado, como era conhecido nas terras além-muros, observou que as mulheres eram bruxas e, não sendo ele dotado de magia, nem de grande perícia em torneios e duelos com espadas, nem de nada que o distinguisse como homem não mágico, ficou convencido de que não havia esperança de chegar à fonte antes das três mulheres. Anunciou, portanto, sua intenção de sair do jardim.

Ao ouvir isso, Amata se aborreceu também.

— Medroso! — ela o censurou. — Desembainhe sua espada, Cavaleiro, e nos ajude a atingir a nossa meta.

E, assim, as três bruxas e o infeliz cavaleiro se aventuraram pelo jardim encantado, onde ervas raras, frutos e flores cresciam em abundância à margem de caminhos ensolarados. Eles não encontraram obstáculo algum até alcançar o sopé do morro em que se erguia a fonte.

Ali, enrolado na base do morro, havia um monstruoso verme branco, inchado e cego. À aproximação so grupo, ele virou uma cara feia e malcheirosa e proferiu as seguintes palavras:

“Paguem-me a prova de suas dores.”

O Cavaleiro Azarado sacou a espada e tentou matar o bicho, mas a espada se partiu. Então, Altheda atirou pedras no verme, enquanto Asha e Amata experimentaram todos os feitiços que poderiam subjugá-lo ou hipnotizá-lo, mas o poder de suas varinhas não foi mais eficaz do que a pedra da amiga ou a espada do cavaleiro: o verme não quis deixá-los passar.

O sol foi subindo sempre mais alto no céu e Asha, desesperada, começou a chorar.

Então o enorme verme encostou o focinho no rosto dela e bebeu suas lágrimas. Saciada a sede, o verme deslizou para um lado e sumiu por um buraco no chão.

Exultantes com o sumiço do verme, as três bruxas e o cavaleiro começaram a subir o morro, certos de que chegariam à fonte antes do meio-dia.

A meio caminho da subida íngreme, porém, eles encontraram palavras gravadas no chão.

“Paguem-me os frutos do seu árduo trabalho.”

O Cavaleiro Azarado apanhou sua única moeda e colocou-a na encosta relvada, mas ela rolou para longe e se perdeu. As três bruxas e o cavaleiro continuaram a subir, e, embora tivessem andado durante horas, não avançaram um único passo; o topo continuava distante e a inscrição permanecia no chão diante deles.

Todos se sentiram desanimados quando viram o sol passar sobre suas cabeças e começar a declinar em direção ao longínquo horizonte, mas Altheda andou mais rápido e, empenhando mais esforço do que os demais, estimulava-os a seguir seu exemplo, embora tampouco avançasse na subida do morro encantado.

— Coragem, amigos, não fraquejem! — gritava ela, enxugando o suor do rosto.

À medida que as gotas caíam, cintilantes, na terra, a inscrição que bloqueava o caminho desaparecia, e eles descobriram que podiam prosseguir.

Encantados com a remoção do segundo obstáculo, correram para o alto o mais rápido que puderam, até que, por fim, avistaram a fonte, refulgindo cristalina em meio a árvores e flores.

Antes de alcançá-la, no entanto, encontraram barrando o seu caminho um riacho que circundava o topo do morro. No fundo da água transparente havia uma pedra lisa com as seguintes palavras:

“Paguem-me o tesouro do seu passado.”

O Cavaleiro Azarado tentou atravessar o curso d’água flutuando sobre seu escudo, mas afundou. As três bruxas o tiraram de dentro do riacho, e tentaram saltar por cima da água, mas o riacho não as deixou atravessar, e todo o tempo o sol ia baixando pelo céu.



Eles começaram, então, a refletir sobre o significado da mensagem na pedra, e Amata foi a primeira a compreendê-la. Apanhando a varinha, apagou da mente doas as lembranças dos momentos felizes que passara com o seu amor desaparecido e deixou-as cair na correnteza. O riacho as levou para longe, deixando aparecer pedras planas e, finalmente, as três bruxas e o cavaleiro puderam atravessar em direção ao topo do morro.

A fonte refulgiu diante dos quatro, emoldurada pelas ervas e flores mais raras e mais belas que jamais tinham visto. O céu coloriu-se de vermelho, e chegou a hora de decidir qual deles iria se banhar.

Antes, porém, que chegassem a uma conclusão, a franzina Asha tombou no chão. Exausta com o esforço da subida, estava à beira da morte.

Seus três amigos a teriam carregado até a fonte, mas Asha, em agonia mortal, lhes pediu que não a tocassem.



Então Altheda se apressou a colher as ervas que julgou mais úteis, misturou-as na cabaça de água do Cavaleiro Azarado e levou a poção à boca de Asha.

Na mesma hora, Asha conseguiu se pôr de pé. Além disso, todos os sintomas de sua terrível enfermidade tinham desaparecido.

— Estou curada! — exclamou ela. — Não preciso da fonte; deixem Altheda se banhar!

Altheda, porém, estava ocupada colhendo mais ervas em seu avental.

— Se fui capaz de curar essa doença, posso ganhar muito ouro! Deixem Amata se banhar!

O Cavaleiro Azarado se inclinou e, com um gesto, indicou a fonte a Amata, mas ela sacudiu a cabeça. O riacho tinha lavado todos os seus desapontamentos de amor, e ela percebia agora que o antigo amado fora insensível e infiel, e que era uma grande felicidade ter se livrado dele.

— Bom cavaleiro, o senhor deve se banhar, em recompensa por toda a sua nobreza! — disse ela ao Cavaleiro Azarado.

Então ele avançou a armadura tinindo aos últimos raios do sol poente e se banhou na Fonte da Sorte, admirado por ter sido o escolhido entre centenas de outros e atordoado com a sua inacreditável fortuna.


Quando o sol se pôs no horizonte, o Cavaleiro Azarado se ergueu das águas sentindo-se glorioso com o seu triunfo, e se atirou, ainda vestindo a armadura enferrujada, aos pés de Amata, a mulher mais bondosa e bela que ele já contemplara. Alvoroçado com o sucesso, pediu sua mão e seu coração, e Amata, não menos feliz, percebeu que encontrara um homem que merecia os dois.

As três bruxas e o cavaleiro desceram o morro juntos, de braços dados, e os quatro levaram vidas longas e venturosas, sem jamais saber nem suspeitar de que as águas da fonte não possuíam encanto algum.

 

O Bruxo e o Caldeirão Saltitante


Era uma vez um velho bruxo muito bondoso que usava a magia com generosidade e sabedoria para beneficiar seus vizinhos. Em vez de revelar a verdadeira fonte do seu poder, ele fingia que suas poções, amuletos e antídotos saíam prontos de um pequeno caldeirão a que ele chamava de sua panelinha da sorte. De muitos quilômetros ao redor, as pessoas vinham lhe trazer seus problemas, e o bruxo, prazerosamente, dava uma mexida na panelinha e resolvia tudo.

Esse bruxo muito querido viveu até uma idade avançada e, ao morrer, deixou todos os seus bens para o único filho. O rapaz, porém, tinha uma natureza bem diferente da do bom pai. Na sua opinião, quem não sabia fazer mágicas não valia nada, e ele muitas vezes discordara do hábito que o pai tinha de ajudar os vizinhos com sua magia.

Quando o velho morreu, o jovem encontrou escondido no fundo da velha panela um embrulhinho com o seu nome. Abriu-o na expectativa de ver ouro, mas, em lugar disso, encontrou uma pantufa grossa e macia, pequena demais para ele e sem par. Dentro dela, um pedaço de pergaminho trazia a seguinte frase: "Afetuosamente, meu filho, na esperança de que você jamais precise usá-la." O filho amaldiçoou a caduquice do pai e atirou a pantufa no caldeirão, decidindo que passaria a usá-lo como lixeira.

Naquela mesma noite, uma camponesa bateu à porta da casa.

— Minha neta apareceu com uma infestação de verrugas, meu senhor. O seu pai costumava preparar um cataplasma especial naquela panela velha...

— Fora daqui! — exclamou o filho. — Que me importam as verrugas da sua pirralha?

E bateu a porta na cara da velha.

Na mesma hora, ele ouviu clangores e rumores que vinham da cozinha. O bruxo acendeu sua varinha e abriu a porta, e ali, para seu espanto, viu que brotara um pé de latão na velha panela do pai, e o objeto pulava no meio da cozinha fazendo uma zoada assustadora no piso de pedra. O bruxo se aproximou admirado, mas recuou ligeiro quando viu que a superfície da panela estava inteiramente coberta de verrugas.

— Objeto nojento! — exclamou ele, e, com feitiços, tentou primeiro fazer desaparecer o caldeirão, depois limpá-lo e, por fim, expulsá-lo de casa.

Nenhum dos feitiços, porém, fez efeito, e ele não pôde impedir o caldeirão de segui-lo saltitante para fora da cozinha, e depois subir com ele para o quarto, alternando batidas surdas e estridentes a cada degrau da escada de madeira.

O bruxo não conseguiu dormir a noite toda por causa das batidas da velha panela verrugosa ao lado de sua cama, e, na manhã seguinte, a panela insistiu em acompanhá-lo, aos saltos, à mesa do café-da-manhã. Plem, plem, plem fazia o pé de latão, e o bruxo ainda nem começara o seu mingau de aveia quando ouviu outra batida na porta. Havia um velho parado na soleira.

— É a minha velha jumenta, meu senhor — explicou ele. — Perdeu-se ou foi roubada, e sem ela não possuo levar os meus produtos ao mercado e minha família passará fome hoje à noite.

— Com fome estou eu agora! — bradou o bruxo, e bateu a porta na cara do velho.

Plem, plem, plem fez o caldeirão no chão com aquele seu único pé de latão, mas agora o estrépito se misturava aos zurros de um jumento e aos gemidos humanos de fome que vinham de suas profundezas.

— Pare! Silêncio! — guinchou o bruxo, mas todos os seus poderes mágicos não conseguiram calar a panela verrugosa, que o seguiu saltitando o dia todo, zurrando e gemendo e clangorando, aonde quer que ele fosse ou o que quer que fizesse.

Naquela noite ouviu-se uma terceira batida na porta, e ali, na soleira, estava parada uma jovem mulher soluçando como se o seu coração fosse partir de dor.

— O meu filhinho está gravemente doente — disse ela. — Por favor, pode nos ajudar? Seu pai me disse para vir se tivesse algum pro...

Mas o bruxo bateu a porta na cara da jovem.

E agora a panela atormentadora se encheu até a borda de água salgada e derramou lágrimas por todo o chão enquanto pulava, zurrava, gemia e fazia brotar ainda mais lágrimas.


Embora, pelo resto da semana, nenhum outro aldeão tivesse vindo à cabana do bruxo buscar ajuda, a panela o manteve informado dos seus muitos males. Em poucos dias ela não estava apenas zurrando, gemendo, transbordando, pulando e brotando verrugas, mas também engasgando e tendo ânsias de vômito, chorando como um bebê, ganindo feito um cão e cuspindo queijo estragado, leite azedo e uma praga de lesmas vorazes.

O bruxo não conseguia dormir nem comer com a panela ao seu lado, mas ela se recusava a sumir dali, e ele não podia silenciar nem forçar o caldeirão a parar.

Por fim, não aguentou mais.

— Tragam-me todos os seus problemas, todas as suas preocupações e todas as suas tristezas! — gritou, fugindo noite adentro, com a panela perseguindo-o aos saltos pela estrada que levava à aldeia. — Venham! Deixem que eu cure vocês, recupere vocês e console vocês! Tenho a panela do meu pai e vou remediar tudo!

E, com a detestável panela ainda a persegui-lo saltitante, ele correu pela rua principal lançando feitiços para todos os lados.

Dentro de uma casa, as verrugas da garotinha desapareceram enquanto ela dormia; a jumenta perdida foi trazida de um urzal distante e suavemente deixada em seu estábulo; o bebê doente foi umedecido com ditano e acordou bom e rosado. Em todas as casas em que havia doença e tristeza, o bruxo fez o melhor que pôde, e gradualmente a panela ao seu lado parou de gemer e ter ânsias de vômito, e sossegou, reluzente e limpa.

- E então Panela? — perguntou o bruxo trêmulo, quando o sol começou a despontar.

A panela arrotou o pé de pantufa que ele havia jogado em seu fundo, e permitiu que o bruxo o calçasse em seu pé de latão. Juntos, eles regressaram à casa, os passos da panela finalmente abafados. Mas, daquele dia em diante, o bruxo passou a ajudar os aldeões exatamente como fazia seu pai, antes dele, para que a panela não descalçasse a pantufa e recomeçasse a saltitar.



O Conto dos Três Irmãos


Era uma vez, três irmãos que viajavam por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer. Depois de algum tempo, os irmãos chegaram a um rio fundo demais para vadear e perigoso demais para atravessar a nado. Os irmãos, porém, eram versados em magia, então simplesmente agitaram as mãos e fizeram aparecer uma ponte sobre as águas traiçoeiras. Já estavam na metade da travessia quando viram o caminho bloqueado por um vulto encapuzado. A Morte falou. Estava zangada por terem lhe roubado três vítimas, porquê o normal era que os viajantes se afogassem no rio. Mas a Morte foi astuta. Fingiu cumprimentar os três irmãos por sua magia e disse que cada um ganhara um prêmio por ter sido inteligente o bastante para lhe escapar.

O irmão mais velho, homem combativo, pediu a varinha mais poderosa que existisse: uma varinha que sempre vencesse os duelos para seu dono, uma varinha digna de um bruxo que derrotara a Morte! Ela atravessou a ponte, dirigiu-se a um vetusto sabugueiro na margem do rio e fabricou uma varinha a partir de um galho da árvore, entregando-a ao irmão mais velho. O segundo irmão, que era um homem arrogante, resolveu humilhar ainda mais a Morte e pediu o poder de restituir a vida aos que ela levara. Então, a Morte apanhou uma pedra da margem do rio e entregou-a ao segundo irmão, dizendo-lhe que a pedra tinha o poder de ressuscitar os mortos. Peguntou-se ao terceiro e mais moço dos irmãos o que queria. Ele era o mais humilde e também o mais sábio dos irmãos e não confiou na Morte. Pediu, então, algo que o permitisse sair daquele lugar sem ser seguido por ela. E a Morte, de má vontade, lhe entregou a própria Capa da Invisibilidade. Então, a Morte se afastou para um lado e deixou os três irmãos continuarem a viagem, que comentaram, assombrados, a aventura que haviam vivido e admirando os presentes recém obtidos.

No devido tempo, os irmãos se separaram, cada um tomou um destino diferente.

O primogênito viajou uma semana ou mais e, ao chegar a uma aldeia distante, procurou um colega bruxo com quem tivera uma briga. Armado com a varinha de sabugueiro, a Varinha das Varinhas, não poderia deixar de vencer o duelo que se seguiu. Deixando o inimigo morto no chão, o irmão mais velho dirigiu-se a uma estalagem, onde se gabou, em altas vozes, da poderosa varinha que arrebatara da própria Morte, e que a arma o tornava invencível. Na mesma noite, outro bruxo aproximou-se sorrateiramente do irmão mais velho enquanto dormia em sua cama, embriagado pelo vinho. O ladrão levou a varinha e, para se garantir, cortou a garganta do irmão mais velho. Assim, a Morte levou o primeiro irmão.

Entrementes, o segundo irmão viajou para a própria casa, onde vivia sozinho. Ali, tomou a pedra que tinha o poder de ressuscitar os mortos e girou-a três vezes na mão. Para sua surpresa e alegria, a figura de uma moça que tivera a esperança de desposar antes de sua morte precoce surgiu instantaneamente diante dele. Contudo, ela estava triste e fria, como que separada dele por um véu. Embora tivesse retornado ao mundo dos mortais, seu lugar não era mais ali e ela sofria. Diante disso, o segundo irmão, enlouquecido pelo desesperado desejo, matou-se para poder verdadeiramente se unir a ela. Assim, a Morte levou o segundo irmão.

Ainda que a Morte tivesse procurado pelo terceiro irmão durante muitos anos, jamais conseguiu encontrá-lo. Somente quando atingiu uma idade avançada foi que o irmão mais moço despiu a Capa da Invisibilidade e deu-a de presente ao filho. Acolheu, então, a Morte como uma velha amiga e acompanhou-a de bom grado. Iguais, partiram desta vida.

 





 

 

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